A VIDA DE LÁZARO – Parte 1 de 5

Não nascera num berço de ouro, muito menos com o cu virado para a lua; mas nem por isso deixara de ter privilégios e até mesmo um pouco de sorte. Crescido em uma família de médicos, desenvolveu-se na época em que a autoridade médica podia ser questionada, processando o então intocável Doutor. Lázaro, que ainda não sabia da existência de uma lei além da familiar, aprendeu que o médico sempre tinha razão e também a possuía seu pai, seu avô e sua tia. Envolto por entidades até então intocáveis, assimilava os acontecimentos calado, aprimorando suas virtudes e seus embaraços. Apesar de conviver com a morte a sua frente, seu primeiro desprendimento foi entender que tudo era passível de ser remediado, bastando o veneno exato na medida adequada. O entendimento deste jogo de possibilidades tornou Lázaro um pouco esperançoso, com a preguiça impulsionando a esperança. Não tinha o ímpeto do perfeccionismo, pois dentro de si existia a certeza, e a destreza de remediar o que houvesse de errado. Buscava os caminhos tortuosos para transcorrer através da ambigüidade. Afinal, por qual razão os fins justificariam os meios, senão pela meiodicridade de que é o finalmente? Tinha plena convicção de que o meio provia o finalmente.

Ao contrário de seus pensamentos, os familiares justificavam o meio pelo fim, invalidando a credencial filosófica de Lázaro. Enquanto seus irmãos projetavam o futuro, ele prescrevia o presente, causando risos desacreditados da sua visão mundana. O primeiro a duvidar de suas capacidades foi o primogênito, o exemplo da família. Regrando sua vida metodicamente, consagrou-se um jovem médico promissor. Embalado pelo exemplo, o intermediário enquadra seu mundo mediante a moral legislativa. Cercado de um médico e outro advogado, se vê obrigado a decidir seu futuro. Não havia a menor possibilidade em uma família de doutores bem sucedidos, absorvido de amor e atenção, florescer um João Ninguém sem certificado comprovando suas capacidades. João Ninguém, vulgo Lázaro, olhava na parede todos aqueles diplomas adquiridos com louvor, redigidos em letras de diamantes, bordados a ouro, na pele de um pobre carneiro da Macedônia. O cenário embrulhava o estomago só de pensar o sacrifício do cordeiro para a aquisição de tal relíquia. Botou seus pensamentos na balança e ela nem se moveu. Abriu a cartilha dos possíveis futuros promissores e nada lhe agradava. Decidido pela única peça que importava: encontrou escondido, com letras esbranquiçadas, todo amassado, um possível diploma acerca dos estudos humanitários. Era tudo que ele queria, ou tudo aquilo que podia suportar. Questionado sobre a afronta que ele fazia a família, Lázaro, que passou bastante tempo observando, amunicia a sua decisão: “O primeiro resolveu se especializar na anatomia humana. O segundo preferiu legislar a humanidade. Eu ofereço a particularidade das relações”. Com estas palavras supria sua sede de observar o saber de ser humano.

De nada importava o canudo sagrado ausente de uma família feliz. O primogênito logo se casa numa festa exuberante, cheia de graça e alegria. Intermediário a estes acontecimentos, o segundo é abençoado com sua mulher e filha, construindo posteriormente sua casa própria. Enquanto isso, Lázaro simplesmente sai de casa: sem festa, nem família. Novamente ele era o centro das más atenções. Diante da pergunta inevitável, Lázaro já estava munido: “Um saiu em busca da felicidade ao lado de sua esposa, o outro preferiu encontrá-la ao lado de sua família. Ouvi dizer por aí que vaga nestas redondezas uma tal de senhora chamada Liberdade, o que a muitos já deixou o prazer da felicidade“. Mas como é que ele poderia encontrá-la? Não estaria simplesmente esperando-o numa esquina, atirada de joelhos ao meio-fio. Bem sabia que seria uma busca árdua e solitária: tornara-se uma família de pessoa única.

Antes de encontrar a liberdade, precisava estar liberto! Sair de casa significava desprender-se das asas familiares, para depois prender-se nas asas estruturais. Arcar com as despesas próprias, aluguéis baratos, comidas congeladas, taxas infindáveis para tornar-se o mais novo cidadão mundano. Tudo começava com o dinheiro e toda moeda de troca havia como base o trabalho. Não era o emprego dos sonhos, mas o garantia a oportunidade de sonhar. Toda manhã, ao entrar na empresa, deparava-se com uma mera significativa frase, um trocadilho para o trabalhador: “Um homem sem pretensão é um homem feliz”. Cada leitura causava uma interpretação diferente, dependendo do humor lazarento. A sensação que mais rondava seus instintos era a estagnação. Sentia-se atrofiado, parado, reproduzindo movimentos exaustivos. Aquela frase só aumentava o desgosto: como é que poderia ser feliz sem pretender? Sua pretensão era de que aquilo tudo fosse temporário, apenas uma ponte para um aquém maior. Mas este pensamento era da sua família. Estaria ele posteriormente sendo contaminado por tal criação?  Lázaro se prevenia do trabalho recorrendo à arte de sonhar.

Havia uma coisa que Lázaro não conseguia inibir: a sensação de estar entorpecendo seus objetivos com mediações que não pertenciam. Nunca desejara o diploma de cordeiro, mas necessitava para ganhar o status da razão. Tampouco havia a obrigação de sair de casa, porém, o reconhecimento da maturidade lhe era favorável. O que mais o intrigava era a dispensabilidade do trabalho, carregando consigo uma bem-aventurada dignidade. Mas já havia perdido sua dignidade, no rodopio da maturidade, embrenhando-se na escuridão da razão. Lázaro, cujo nome significa aquele que ressurgiu dos mortos, precisava reascender-se dentro de si. A cautela entre caminhos alternativos havia distorcido seus objetivos. Lázaro se guarneceu, prevenindo-se do exterior, para não ter mais que remediar seu interior.

Sobre PSCICÓTICO

Pscicótico é um pseudônimo, ou apenas um anônimo, ou simplesmente um pseudo. Por que, então, utilizar o anonimato? Nas palavras de outro anônimo: "Por saudades do tempo em que eu era absolutamente desconhecido e, portanto, aquilo que dizia tinha alguma possibilidade de ser entendido. O contato imediato com o eventual leitor não sofria interferências. Os efeitos do livro refletiam-se em lugares imprevistos e desenhavam formas a que nunca havia pensado. O nome constitui uma facilitação." Por que Pscicótico? Na análise mais simples da pscicanálise, o psicótico é aquele que perde o contato com a realidade. Não estou aqui pra lhes falar verdades, muito menos expor os fatos, a mídia jornalística pode muito bem se encarregar de enganar-te. Estou pra transcender, para metamorfosear minha consciência, transparecer toda a minha demência de uma mente ezquizofrênica e caótica, onde em cada etapa assume uma diferente personalidade. Somos muitos, milhares e diversos. Somos alegres, deprimidos e perversos. Somos a realidade e o seu verso.
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