AQUELE QUE RESSURGIU DOS MORTOS

Então, projeto ainda não tá pronto. Alguma partes ainda distoam. Mas já não consigo mais deixar ele só comigo. Um pouco longo, porque me empolguei e ainda falta o ultima parte, mas aí vai…

 

AQUELE QUE RESSURGIU DOS MORTOS


– A VIDA DE LÁZARO

 

– LABIRINTO

– ILUMINADO

– O ASSASSINATO DO AUTOR

– RESSUREIÇÃO DO ESCRITOR

 

A VIDA DE LÁZARO

 

Não nascera num berço de ouro, muito menos com o cu virado para a lua; mas nem por isso deixara de ter privilégios e até mesmo um pouco de sorte. Crescido em uma família de médicos, desenvolveu-se na época em que a autoridade médica podia ser questionada, processando o então intocável Doutor. Perdido no meio, Lázaro, que ainda não sabia da existência de uma lei além da familiar, aprendeu que o médico sempre tinha razão, e em virtude também a possuía seu pai, seu avô e sua tia. Envolto de entidades até então intocáveis, Lázaro assimilava os acontecimentos calado, aprimorando suas virtudes e seus embaraços. Apesar de conviver com a morte a sua frente, seu primeiro desprendimento foi entender que tudo era passível de ser remediado, bastando a medida exata do veneno adequado. O entendimento deste jogo de possibilidades tornou Lázaro um pouco esperançoso, e por certas razões a preguiça impulsionava a esperança. Não tinha o ímpeto do perfeccionismo, pois dentro de si existia a certeza, e a destreza, de remediar o que houvesse de errado. Vislumbrado com o atípico e deslumbrado com o tratamento, buscava os caminhos tortuosos para transcorrer através da ambigüidade. Afinal, por qual razão os fins justificariam os meios, senão pela meiodicridade de que é o finalmente? Tinha plena convicção de que o meio provia o finalmente.

Ao contrário de seus pensamentos, os familiares justificavam o meio pelo fim, invalidando a credencial filosófica de Lázaro. Enquanto seus irmãos projetavam o futuro, ele prescrevia o presente, causando risos desacreditados acerca de sua visão mundana. O primeiro a duvidar de suas capacidades foi o primogênito, o exemplo da família. Regrando sua vida metodicamente através de planos e estudos, consagrou-se um jovem médico promissor. Embalado pelo exemplo da família, o intermediário segue seus próprios passos enquadrando seu mundo mediante a moral legislativa. Cercado de dois doutores, um médico e outro advogado, Lázaro, que até então não tinha a academia em seu sangue, se vê obrigado a decidir seu futuro. Não havia a menor possibilidade em uma família de doutores bem sucedidos, absorvido de amor e atenção, florescer um João Ninguém sem certificado comprovando suas capacidades. João Ninguém, vulgo Lázaro, olhava na parede todos aqueles diplomas adquiridos por méritos, redigidos em letras de diamantes, bordados a ouro, na pele de um pobre carneiro da Macedônia. O cenário embrulhava o estomago só de pensar o sacrifício do pobre cordeiro para a aquisição de tal relíquia. Botou seus pensamentos na balança e ela nem se moveu. Abriu a cartilha dos possíveis futuros promissores e nada lhe agradava. Decidido pela única peça que importava, encontrou escondido, com letras esbranquiçadas, todo amassado, um possível diploma acerca dos estudos humanitários. Era tudo que ele queria, ou tudo aquilo que podia suportar de uma vida entre mestres e doutores. Questionado sobre a afronta que ele fazia a família, Lázaro, que passou bastante tempo observando, amunicia a sua decisão: “O primeiro resolveu se especializar na anatomia humana. O segundo preferiu legislar a humanidade. Eu ofereço a particularidade das relações”. Com estas palavras supria sua sede de observar o saber de ser humano.

Aprovado na aquisição do canudo sagrado, precisava se consagrar através da família feliz. Sempre na dianteira, o primogênito logo se casa numa festa exuberante, cheia de graça e alegria. Depois da maravilhosa lua de mel, o retorno à antiga casa era impossível. Intermediário a estes acontecimentos, o segundo é abençoado com sua mulher e filha, construindo posteriormente sua casa própria. Enquanto isso, Lázaro simplesmente sai de casa: sem festa, nem família. Novamente ele era o centro das más atenções. Diante da pergunta inevitável, Lázaro já estava munido: “Um saiu em busca da felicidade ao lado de sua esposa, o outro preferiu encontrá-la ao lado de sua família. Ouvi dizer por aí, que vaga nestas redondezas, uma tal de senhora chamada Liberdade, o que a muitos já deixou o prazer da felicidade“. Mas como é que ele poderia encontrá-la? Não estaria simplesmente esperando-o numa esquina, atirada de joelhos ao meio-fio. Bem o sabia que a procura seria árdua, em que a felicidade será acudida pela busca: tornara-se uma família de pessoa única.

Antes de encontrar a liberdade, precisava estar liberto! Mas como tudo, nada vem de sopas beijadas. Sair de casa significava desprender-se das asas familiares, para depois prender-se nas asas estruturais. Arcar com as despesas próprias, aluguéis baratos, comidas congeladas, taxas infindáveis para tornar-se o mais novo cidadão mundano. Tudo começava com o dinheiro e toda moeda de troca havia como base o trabalho. Não era o emprego dos sonhos, mas o garantia a oportunidade de sonhar. Toda manhã, ao entrar na empresa, deparava-se com uma mera significativa frase, um trocadilho para o trabalhador: “Um homem sem pretensão é um homem feliz”. Cada leitura causava uma interpretação diferente, dependendo do humor lazarento. A sensação que mais rondava seus instintos era a estagnação. Sentia-se atrofiado, parado, reproduzindo movimentos exaustivos. Aquela frase só aumentava o desgosto: como é que poderia ser feliz sem pretender? Sua pretensão era de que aquilo tudo fosse temporário, apenas uma ponte para um aquém maior. Mas este pensamento era da sua família. Estaria ele posteriormente sendo contaminado por tal criação?  Lázaro se prevenia contra o trabalho recorrendo a arte de sonhar.

Havia uma coisa que Lázaro não conseguia inibir: a sensação de estar entorpecendo seus objetivos com mediações que não o pertenciam. Nunca desejara o diploma de cordeiro, mas o necessitava para ganhar o status da razão. Tampouco havia a obrigação de sair de casa, porém, a garantia do reconhecimento da maturidade lhe era favorável. O que mais o intrigava era a dispensabilidade do trabalho, que carregava consigo uma bem-aventurada dignidade. Mas já havia perdido sua dignidade, no rodopio da sua maturidade, embrenhando-se na escuridão da razão. Lázaro, cujo nome significa aquele que ressurgiu dos mortos, precisava reascender-se dentro de si, para buscar seus próprios objetivos. A cautela pelos caminhos alternativos distorceu seus objetivos. Lázaro se guarneceu, prevenindo-se do exterior, para não ter mais que remediar seu interior.

 

LABIRINTO

 

Lázaro desperta de seus sonhos como um dia qualquer, premeditando seus passos exatamente iguais. Olha no espelho sua face turva, amassada, ainda se estabelecendo das horas de sono suadas. Tira a sujeira do corpo impregnada, seca-se ao vento, sob o piso molhado. Executa suas ações diárias normalmente, porém, com um gosto estranho no inconsciente. Mais uma vez a rotina serviu-se dele no café da manhã, e depois de devorá-lo, regorgitou-o através da porta. Executou uma hora de seu dia sob a inércia e procurou saber se houveram outros dias que tenham passado com a mesma prosternação desta uma hora. Com a sensação de não ter vivido estes dias, volta para indiferença da situação.

Os minutos transcorrem sem prestar satisfação. Lázaro já está amontoado dentro de um ônibus em congestão. Enquanto que para proteger-se do dia-a-dia rotineiro deveria cerrar sua expressão, um sentimento de bem-estar aflora de dentro, trazendo um sorriso proibido. Pela primeira vez pensava sobre seus dias infinitos: O que ele aspiraria? Até quando seria o limite de repetir à exaustão um cotidiano que não lhe cabia? Olhou para a janela do coletivo através do bigode do passageiro e avistou a entrada de sua empresa passar com a mesma rapidez de seus pensamentos. Deixou o fluxo seguir na esperança de que o ponto final lhe trouxesse a razão inexistente do finalmente. Dentro dele não havia razão, nem objetivo. Apenas pensamentos desconexos procurando algum sentido. Invariavelmente opta pela atitude que transgrediria seus costumes: transcorreria este dia somente para a sua preservação.

Logo que decidiu por um dia liberto de obrigatoriedades, o primeiro sinal da consciência toca em seu celular. Era o alarme lhe avisando do atraso. Por um instante questiona se não deveria esquecer tudo e seguir para a empresa, mesmo que chegasse atrasado. Mas logo se lembra que era o seu feriado e desce no centro de São Paulo para procurar a si mesmo. Sem rumo, caminha pelo centro da cidade procurando que a transição de seus passos dissolva a avalanche de pensamentos. Em meio a uma praça, observa uma pessoa grafitando o muro da prefeitura. A arte entoa um mundo vivo dentro de um ambiente perverso. A obra deixa uma sensação de completude, desembaraçando a convicção do estranhamento não cotidiano. Enquanto Lázaro suspende seu caminhar, sua mente divaga entre a reprodução e a criação. Por qual razão ele estaria reproduzindo seu cotidiano? Justo ele, que sempre foi no movimento contrário, criando soluções adversas pra problemas perversos, agora reproduzia sem ao menos questionar. O que seria dele sem a reprodução? O artista termina a obra em sua frente. Não era uma obra criativa, simplesmente mais uma arte publicitária, grafitada sob a insígnia: “Com seu suor, trabalho e compromisso, construímos uma cidade melhor”. O que significava aquilo? Até a liberdade artística estava corrompida pelas glândulas sudoríparas do trabalho. Não havia a menor dúvida que o seu suor construiria uma cidade melhor, mas o suor reprodutivo não acrescentava nada além da exaustão. Qual das glândulas sudoríparas deveria utilizar?

Não queria ser tachado de vagabundo, porém, tampouco queria ser tão desocupado ao ponto de se acomodar numa situação que não lhe cabia. Afasta-se daquele grafite publicitário que nada lhe dizia, procurando encontrar-se na multidão. Mas esta o lembra que o único caminho é a reprodução. Os homens de terno se esbarrando na Praça do Patriarca, desviando-se da moça que transpira panfletos de greve do Banco Único desativado. O samba calado na Rua Direita, ditando o ritmo das executivas socialmente pintadas. Na Praça da Sé, entre um grito de ó-ti-ca-ó-ti-ca-ó-ti-ca e um falso atestado médico, recebe um panfleto oferecendo mais uma oportunidade de emprego: “Penses bem o que tu fazes da vida, pra depois não ter que chorar o leite derramado”. Era o trabalho novamente o procurando. Era o suor discretamente o controlando. Quando sai na tangente pelo Pátio do Colégio, trombando com o fêmur conservado do Padre Anchieta, sente-se como um violonista incapaz de tocar sem a regência do maestro. Descendo a Rua Boa Vista, depara-se com dois gigantescos edifícios na Líbero Badaró, que mais se assemelhavam com duas cordas de aço acopladas em suas costas, titereando-o através do Poder Empresarial e do Público. Assustado, embrenha-se na vastidão do Vale do Anhangabaú, procurando esconder-se nas sombras do Largo Paissandu. Depara-se com um imenso outdoor: “Mantenha sempre a auto-estima independente dos aplausos, pois as estrelas brilham na escuridão.” Não se sentia uma estrela, nem recebia os aplausos, pois definitivamente era um fantoche em um teatro de sombras.

 

ILUMINADO

 

Acuado, resolve deixar o ambiente hostil, entrando no primeiro ônibus que passaria próximo a sua residência. Dentro havia poucas pessoas, em sua maioria donas de casa buscando seus filhos na escola e alguns office-boys com documentos na mão. Todos olhavam para ele tentando decifrar o que este jovem bem trajado fazia saindo do centro ao invés de estar indo ao trabalho. Os olhares de decepção das donas de casa se intensificavam. A inveja dos office-boys o corroia por dentro. Saltou três pontos antes do destino e caminhou com passos largos e apressados, querendo demonstrar um atraso ao compromisso inexistente. Em sua essência, estava rumando para um compromisso sério com ele mesmo.

Entra em seu apartamento trancando as portas e janelas, como se precisasse provar a ele um motivo claro por ter se ausentado no trabalho. Na escuridão do ambiente, em meio a uma tosse forçada e um trago de água, permanece terrivelmente só com seus pensamentos. O que ele precisaria fazer? Precisava de dinheiro para viver. O dinheiro precisa do suor para nascer. O quanto ele deveria transpirar para sobreviver? Automaticamente começa a fazer flexões, observando suas secreções derramarem no chão. Estava desperdiçando seu suor no solo errado, nunca nasceria nada dali. Sair do emprego era uma possível solução, mas de onde colheria os frutos originários da Casa da Moeda? Tinha suas economias guardadas, conseguiria sobreviver por duas semanas até encontrar outra fonte da juventude. Estava decidido: ligaria para o antigo emprego e mandaria seu antigo chefe para aquele lugar. Diante do telefone percebe o aluguel não quitado sustentando sua base. Abre-o para relembrar o tamanho do estrago. O IPTU aumentara, esvaindo todas suas reservas econômicas. Ainda não era hora, ainda não era o momento. Faz a ligação para sua empresa e avisa que estava doente.

Passado uma semana na velha conhecida inércia, recebe a quantia equivalente aos litros transpirado: o suficiente para dar início aos planos. Depois de confraternizar com seus futuros antigos companheiros, segue para a reclusão inspirar os novos passos. Ao entrar no ambiente protegido, uma nova surpresa: a conta de luz atrasada chegara com certo adiantamento. Lá se vão suas economias, levando consigo seus sonhos de liberdade. Torna a ligar ao seu futuro antigo chefe para confirmar presença na semana seguinte. As semanas seguem com a mesma disposição, revezando a cobrança em questão: cartão de crédito, água e televisão. Quando o ciclo se renova trazendo outra vez o aluguel, percebe a falta de evolução do processo adotado e decide por uma tática mais ousada: cozinharia sua própria comida, voltaria direto para a casa, excluir-se-ia do mundo cidadão, sair na rua requer muita transpiração. Deveria armazená-la, guardá-la em seus poros, esperando o momento certo para a secreção. O mês inerte custou passar, difícil se entreter sem poder gastar. Entretenimento custa caro e requer status adequado. Após dias de reclusão, chegara o momento: havia suado o suficiente para pagar o aluguel, a luz, a água, o cartão e a televisão. E ainda sobrava a quantia planejada para colocar o plano em ação. A criança feliz saiu do trabalho sem olhar pra trás, com a exceção de voltar-se para mandar seu chefe a aquele conhecido lugar. Sentindo-se liberto, flutua por entre o transito sufocante da cidade. Deseja uma ótima noite ao zelador do edifício e abre a porta com um carisma há muito esquecido. Porém, não é de flores que se vive hoje em dia. Ao lado do aluguel estava destinado a ele um envelope desconhecido. Toda beleza se esvai ao abri-lo e identificar uma multa de tráfego em seu nome. Como poderia ter acontecido? Nem carro possuía. Certamente deveria ser um relé engano. Entra em contato com o serviço de transito e descobre um celta em seu nome. De onde saiu tal relíquia? Nem carta de motorista tinha. Abre sua gaveta de documentos e lá estava, sua carta devidamente registrada e o documento de um celta preto desconhecido. Uma alegria invadiu seu desejo: poderia vendê-lo. Seria a quantia mais que necessária para a sua alforria. Desce do apartamento procurando sua passagem para a liberdade. Na garagem nada havia. Na rua nem um volante. Não havia nada, apenas uma nova conta levando consigo a alegria.

Retorna desolado para suas quatro paredes: a sua vida era insignificante e injusta. Vivia apenas entre contas e trabalho, em meio a suor e pagamento. Onde estaria a plenitude do momento? Quem estaria vivendo os frutos do cotidiano com a bênção do entretenimento? Sua vida não lhe pertencia. Nada lhe pertencia. Era inteiro sado-monogâmico de si. O escárnio da sociedade, fruto da sobriedade, um personagem esdrúxulo de um livro monótono inacabado. Um personagem… O Alter-ego de um escritor. A mesmice da rotina, a fuga da sabedoria, a identidade perdida nas entrelinhas de um conto sem graça. Era a desgraça da vida.

 

 

 

 

O ASSASSINATO DO AUTOR

 

O que poderia fazer depois desta iluminação? Se ele era um personagem, o livro ainda não estava escrito, todavia. Quem era o escritor?  Quais eram suas intenções? Abre a gaveta sem pretensão de encontrá-lo. Era impossível ser um escritor engavetado. Vai até o banheiro ligar o chuveiro e senta na privada observando a água respingar. O escritor não escorria por este ralo. Atira-se ainda vestido água abaixo, deixando seu corpo deslizar-se até o chão. Este autor não poderia ser superficial. Era esperto o suficiente para criar um personagem que pensava ser gente, estava acima de qualquer coeficiente. Suplica aos céus procurando respostas. Era apenas a umidade escorrendo de um teto branco. Levanta-se atordoado, respingando ao chão molhado e sai do apartamento com a mesma dedicação. Se ele estivesse acima, estaria em outro apartamento. Toca no 504 e atende a Dona Clotilde como esperado. Atingido por um surto psicótico, invade o apartamento procurando seu algoz. Mas ali também não havia nada, apenas seu rastro molhado misturado com o suor desperdiçado. Deveria estar além do edifício. Sobe a escadaria com volúpia, arrebentando a trava da cobertura. Acima da sua cabeça apenas um céu estrelado e uma lua nova ausente. Permanece em silencio na esperança de ouvir alguma narração. Não havia nada além do ruído da cidade e o conflito de seus pensamentos. No silencio ruidoso da noite, só consegue ouvir sua voz de dentro. Ele estivera ali o tempo todo, dentro dele.

Era nele que o escritor vivia, era por ele que o escritor fluía. Tentava abdicar de sua função de personagem e o escritor sempre encontrava meios de mantê-lo neste enredo. Desejava o livre arbítrio de fato e não apenas a sensação de ser livre dentro dos limites. Poderia fazer tudo o que quisesse, contanto que seguisse os mandamentos. Mandamento primeiro: Deveria suar sem razão. Não poderia mais cumprir tal tarefa, era injusto que o destino o obrigasse a carregar a cruz do messias. Mas como poderia tornar-se ateu? De que maneira Nietzsche matou seu Deus? Queria ter tido tempo para ter lido mais. Quantos livros não sucumbiram na correria? “Além do Bem e do Mal“, “O Anticristo”, “Assim falou Zaratrusta”… Se os tivesse lido, agora teria a certeza do que faria. Não era este o movimento, não foi assim que Nietzsche matou o seu Deus. Se o escritor está dentro dele, a leitura só traria mais conhecimento, fortalecendo a criação. A criação! O que seria de um escritor sem ela? Quem ele seria sem o alfabeto? Era isso! Encontrara a solução para deixar de ser um projeto.

Permanece a noite acordado olhando as estrelas. Quantas sucumbiram por remorso? Aonde já se viu brilhar na escuridão sem um propósito? Quais delas prevalecerão aos primeiros raios de luz? A alvorada amanhece seus planos e o comércio desperta na cidade: é chegada a hora de colocar em prática a operação Dalva. Segue com passos despreocupados até a próxima Banca de Jornal. Já não há necessidade de fingir a correria. Pede ao atendente a “Folha do Estado” e o “São Paulão”, regressando para a reclusão de seu apartamento. Prepara um café, acende um cigarro e começa uma leitura minuciosa. Indigna-se com o caderno de Política e segue lendo o que acontece no Mundo: “O novo líder da rede El Caída, Arman de Zawbi, terá que enfrentar ‘muitos desafios’ para impor sua autoridade à organização porque não tem o carisma de Ostama Bin Gaten, afirmou nesta quinta-feira o secretário americano da Defesa, Roberto Portão”. “A assembléia (câmara baixa) do Estado de Nova York aprovou na noite de quarta-feira um projeto de lei que autoriza o casamento homossexual, que depende agora de uma votação no Senado, que pode acontecer na sexta-feira”. “O presidente da Bolívia, Ivo Moral, atribuiu os problemas de insegurança e criminalidade na Bolívia ao consumismo, ao álcool, aos filmes de ação e às novelas. O discurso foi feito em um encontro nacional de segurança pública em Santa Cruz. Moral discordou de quem atribui as causas da violência somente à pobreza. ‘A riqueza exagerada também traz insegurança’”. “As cinzas vulcânicas que tantos problemas têm causado ao tráfego aéreo em diversas regiões do planeta vão continuar sendo um risco permanente à aviação, disse à BBC Brasil a vulcanologista Mari Gorfante, do US Geological Survey (USGS, agência de pesquisa geológica ligada ao governo americano). Segundo Gorfante, que há 15 anos atua na área de riscos à aviação, o fenômeno não é novo. O que mudou nos últimos anos, diz a cientista, não foi a intensidade das erupções, e sim do tráfego aéreo”.

Atolado de questões mundanas, vira a página no Cotidiano:  “Dois dias depois de abandonar as duas filhas recém-nascidas na Santa Casa de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), a mãe das gêmeas se disse arrependida e quer as crianças de volta”. “A Polícia Federal prendeu em flagrante um gerente de vendas que teria desembarcado no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (Grande São Paulo), com 9,2 kg de metanfetamina. A prisão aconteceu na terça (14), mas foi divulgada hoje. Segundo a polícia, o gerente de vendas trouxe a droga em um vôo proveniente de Bruxelas, na Bélgica. Além da metanfetamina, ele carregava ainda 26.985 pontos de LSD (dietilamida do ácido lisérgico), além de 1,6 kg de haxixe. Após o flagrante, outras duas pessoas, que receberiam os entorpecentes, também foram presas. Elas estavam em um hotel na região central de São Paulo. No dia seguinte, ainda dando continuidade às investigações, outros dois suspeitos de receptação foram identificados em Goiânia”. “Um motociclista foi morto a tiros na noite de ontem (15) após se envolver em uma briga de trânsito na marginal Pinheiros, próximo à estação Berrini, em São Paulo. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Militar foi acionada por volta das 20h para uma ocorrência de disparo de arma de fogo na pista expressa da marginal, sentido Castello Branco. Ao chegar ao local, encontraram o pintor Aurélio Marcos Parreira, 36, caído no chão, ao lado de sua moto –uma Honda Titan vermelha. Ele tinha ferimentos no peito e nas costas. Os policiais ainda tentaram socorrer o pintor, mas ele já estava morto”.

Às 14 horas Lázaro encerra suas atividades jornalísticas para se encarregar do almoço. Quinze minutos depois, sai de seu apartamento e segue para a conveniência localizada na esquina da Rua Perdiz com a Rua Senhor Pardal. Ali efetua a compra de um Green Label e uma vodka Absolut, pagando em espécie a quantia de 500 reais, deixando o troco com a atendente. Por volta das 14:30, retorna ao edifício, trocando duas palavras com o zelador, sem demonstrar qualquer atitude suspeita. Dez minutos depois o ocorrido, tranca-se em seu apartamento jogando a chave pela janela. Na cozinha, arma-se com dois copos contendo três pedras de gelo cada e retorna para a sala de televisão para iniciar sua alimentação. Durante 30 minutos, serve-se de metade da garrafa de Whisky, alternando com doses homeopáticas de vodka. Nos 30 minutos seguinte inverte o processo, seguindo neste embalo até esvaziar as duas garrafas. O excesso de álcool ingerido no estomago causa a perda momentânea de sua coordenação motora, quebrando copos e garrafas vazias no chão, enquanto escorrega-se em direção ao toalete. Permance por horas sentado… A claridade dos ladrilhos amarelos reflete… A loca gelado do bidê estremece… O desaguar do chuveiro inunda… O espelho reflete… O teto padece… O levantar acontece… A televisão é ligada… Emburrece…

“Oquei!, oquei! Bunda Perene decidiu colocar uma pedra em seu passado. Quando ainda estava no é o stum, foi humilhada por Cumpadre Boston que, como Bunda revelou na época, chegou até a agredi-la. Já a Dé Brazil, apelou para macumba, para afastar a loira da sua vida.”

No estado… vegeta… assimi… cano… zap…

“Olha a garota aqui, Alectra… Bonita, fofa, ela vai cantar ‘beijinho doce’. ‘Beijinho doce!’. ‘Bem doce’. ‘Uhuuuuuu’. ‘Mulher bonita, ratinho’. ‘Bonita! Como é que é o nome dela’. ‘Leka!’”

Zap… movimento… do… de… do…

“’A nossa equipe está aqui na Rua Augusta, no centro de São Paulo, onde o João Ferrado, o nosso auxiliar, me disse que ta acontecendo alguma coisa ali na frente. Duas pessoas discutem no meio da rua! A moça se aproxima. Ele se distancia. Mas a agressão começa! Ela parte pra cima dele! Ih! Olha só, Antena, ele caiu! Vem cá Envelhecido Carvalho, nosso câmera, corre, corre, a situação é grave! Nossa! Ninguém faz nada pra separar esses dois, que estão agarrados. Nenhum deles desgrudam, hein! A briga continua aqui na calçada. Parece luta livre, viu. O pessoal ta dizendo que a moça ali, na verdade, é um travesti. Nossa! Um tapa na cara! Agora conseguiram se separar. Meu Deus. Bom, agora sim! Chega um Guarda Civil Metropolitano e faz a abordagem dos dois. Que confusão, hein!’. ‘Olha! Eu vou deixar bem claro, aqui, que eu não tenho nada contra os nossos amigos travestis. Nossos amigos travestis, coisa nenhuma! Não tenho nada contra travesti! Nenhuma coisa. Eu tenho contra o cidadão Umberto, o Jhon Umberto, que é violento. Bateu no primeiro cara, partiu pra agressão, a imagem é clara. Depois partiu pro nosso cinegrafista’”.

Ami… Traves… olhos… so… no…

“’UUUUUUUU.’ ‘Agora eu vou falar boa noite, pros nossos convidados. Olha só quem ta aqui, a panquet, tudo bem, panquet?’ ‘Oi, oi pessoal’. (aplausos). ‘Ô Mariana, era você que tava pegando não sei quem, que não sei o que, que veio aqui? Era ela?’ ‘Não.’ ‘Não era? Você ta pegando quem?’ ‘Não, era a Mani.’ ‘Você ta pegando alguém!’ ‘Não. Eu pego o meu namorado, só.’ ‘Quem é o seu namorado?’ ‘Não. Não é do meio.’ ‘Tudo bem, não tem problema. Qual é o nome dele?’ ‘Ele é professor de educação física.’ ‘Como é o nome dele?’ ‘nhannnnnn!’ ‘Calma! Como é o nome dele?’ ‘Não conto.’ ‘Porquê que não conta?’ ‘Não. Não gosto de falar dele.’ ‘Por quê?’ ‘Ah, não sei. Porque depois o pessoal começa a inventar…’”

p… e… pe… g… a… n… gan… d… o… do… z… z… z… … .. . _______________________

 

 

RESSUREIÇÃO DO ESCRITOR

O escritor-personagem renasce na primeira pessoa, mais visceral, num monólogo denso e leve, sutil e pesado, discorrendo sobre o que eu ainda não sei. É um escritor sem limites!

Sobre PSCICÓTICO

Pscicótico é um pseudônimo, ou apenas um anônimo, ou simplesmente um pseudo. Por que, então, utilizar o anonimato? Nas palavras de outro anônimo: "Por saudades do tempo em que eu era absolutamente desconhecido e, portanto, aquilo que dizia tinha alguma possibilidade de ser entendido. O contato imediato com o eventual leitor não sofria interferências. Os efeitos do livro refletiam-se em lugares imprevistos e desenhavam formas a que nunca havia pensado. O nome constitui uma facilitação." Por que Pscicótico? Na análise mais simples da pscicanálise, o psicótico é aquele que perde o contato com a realidade. Não estou aqui pra lhes falar verdades, muito menos expor os fatos, a mídia jornalística pode muito bem se encarregar de enganar-te. Estou pra transcender, para metamorfosear minha consciência, transparecer toda a minha demência de uma mente ezquizofrênica e caótica, onde em cada etapa assume uma diferente personalidade. Somos muitos, milhares e diversos. Somos alegres, deprimidos e perversos. Somos a realidade e o seu verso.
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